Ansiedade e depressão lideram afastamentos do trabalho no Piauí
Dados do Ministério do Trabalho mostram que os afastamentos por depressão cresceram 239%, enquanto os por ansiedade subiram 274%.

O trabalhador piauiense está mais ansioso e mais depressivo. É isso o que mostram os dados obtidos pelo Portalodia.com junto ao Ministério do Trabalho e Previdência. Ansiedade e depressão são as duas principais causas de afastamentos do trabalho no Piauí. Nos últimos quatro anos, estes dois transtornos vêm ocupando a ponta do ranking entre as questões mentais mais comuns para o trabalhador piauiense.
Em 2021, o Piauí teve 296 afastamentos do trabalho por conta da Ansiedade e 282 por Episódios Depressivos. Em 2022, foram 243 afastamentos por Episódios Depressivos e 242 por Ansiedade. O padrão se repetiu em 2023, quando o Estado teve 405 afastamentos por Ansiedade e 396 por Depressão, e em 2024, quando se contabilizou 907 afastamentos por Ansiedade e 895 por Depressão.
Os números do Ministério do Trabalho revelam um aumento de 239% nos afastamentos do ofício por causa da Depressão no Piauí nos últimos dois anos (2022-2024). Já com relação à Ansiedade, esse aumento foi ainda maior: 274%. Mas o que explica esse adoecimento do trabalhador piauiense? A resposta não é única nem se limita a um só fator. A psicóloga Nadja Nunes explica que a sociedade é feita por um misto de fatores e tudo que acontece nela deve ser considerado para responder ao questionamento.
O pós-pandemia
Ansiedade e depressão são transtornos que estão intimamente ligados e costumam andar juntos no mesmo processo de adoecimento. No período de 2022, por exemplo, foi quando a vida voltou a um “novo normal” no pós-pandemia. Um período em que muitos trabalhadores ficaram desempregados, muitas empresas fecharam e que os donos de empresa tiveram que se reorganizar com os funcionários.
“Teve todo aquele pânico da pandemia em relação ao mercado de trabalho. Muitos donos perceberam que com menos trabalhadores dava para produzir a mesma quantidade. Teve o home office, teve toda uma mudança no mercado de trabalho em decorrência da pandemia, veio todo o caos da crise econômica mundial e até a gente vivencia essa loucura onde tem o aumento do custo de vida e a redução do poder de compra. Muitas pessoas têm que dobrar a jornada e para conseguir fazer isso, vão negligenciando os cuidados básicos”, discorre Nadja Nunes.

A crise da saúde mental não é uma exclusividade do Piauí. Em 2024, o Brasil registrou quase maio milhão de afastamentos do serviço por conta de questões mentais. Este foi o maior número em dez anos. Foram 472.328 licenças concedidas no ano passado, um número 68% que as 283.471 concedidas em 2023. A maioria das dos afastamentos (64%) foi solicitada por mulheres com idade média de 41 anos com quadros de ansiedade e depressão.
“As mulheres são mais suscetíveis às questões emocionais e, além de trabalhar fora, elas precisam dar conta dos trabalhos domésticos, de casa. E quando cito as mulheres, em especial, é porque elas são uma recorrência maior nessa procura. A gente sabe que os homens costumam demorar mais a procurar ajuda, acabam adoecendo por outras questões e se afastando do trabalho por outras questões que não são ansiedade e depressão, mas por outros adoecimentos que vão sendo causados por elas”.
Hiperconectividade e aumento da ansiedade
Após a pandemia, as pessoas ficaram mais conectadas, consumindo notícias com muito mais facilidade, tudo muito rápido, o que leva ao funcionamento acelerado do cérebro. Isso leva o corpo a entender que é um sistema de ansiedade.O sistema de ansiedade dentro do organismo, ele é acelerado. Então se eu tenho um ritmo de vida acelerado, esse organismo não consegue mais parar e relaxar. Se eu trabalho muito, penso muito o tempo todo em coisas para resolver e não paro para me cuidar, me alimentar, ter uma atividade física e um sono bem regulado, eu fico o tempo todo funcionando em estado de alerta, que é a ansiedade. Se ela não for tratada, pode levar a uma depressão.
Paralelo a isso, vem a cobrança do mercado por aumento da produtividade sem oferecer as condições de trabalho e qualidade de vida no ambiente laboral adequadas aos colaboradores.
A cultura da positividade
Frases como “trabalhe enquanto eles dormem”, “você tem que produzir mais”, e “seja você seu próprio chefe” aparecem mascaradas de incentivo, mas acabam levando ao adoecimento. É isso o que explica a Psicologia. A chamada “cultura da positividade”, perpetuada pelas redes sociais, tem crescido cada vez mais e ameaçado a saúde mental da parcela produtora da força de trabalho.Fica uma cobrança desmedida e desequilibrada em cima do trabalhador. Quando se fala em valorizar real o serviço, tem que se falar em um aumento de salário razoável para aquilo que se está trabalhando, em condições adequadas de trabalho.
A crise do adoecimento mental fez com que o Governo buscasse medidas mais duras. A norma NR-1, que estabelece as diretrizes da saúde no ambiente de trabalho, foi atualizada e determina agora que o tema passe a ser fiscalizado pelas empresas. A NR-1 passou a incluir os riscos psicossociais como parte do gerenciamento de riscos ocupacionais. Significa que as empresas devem adotar medidas preventivas para garantir que os trabalhadores não sofram problemas psicológicos e psiquiátricos relacionados ao trabalho.
Um rosto por trás dos números
Os casos de transtornos mentais com consequente afastamento do trabalho são cobertos pelo INSS nos casos em que o trabalhador precisa se afastar por mais de 15 dias. Para isso, no entanto, ele precisa passar por uma perícia médica que declara a doença e justifica a licença. A professora Caroline Silva, 34 anos, foi uma das que precisou recorrer ao INSS para conseguir se afastar do serviço por conta de questões mentais.
Caroline passou seis meses afastada do serviço para tratar um quadro severo de Ansiedade e Depressão potencializado pelas pressões diárias do trabalho. “Eu tinha muitas crises no serviço, me isolava, tinha muitos gatilhos relacionados ao trabalho. Até que uma colega me viu tendo uma crise e ligou para o meu marido, que me levou ao psiquiatra. Ele tinha tentado me levar lá outras vezes, só que eu não queria, porque tinha medo de ser demitida”, relata a professora.

Caroline lembra que, ao conversar com o psiquiatra, ele lhe explicou que o afastamento inicial seria de 15 dias para que pudessem reavaliar se quadro. Os 15 dias acabaram se tornando seis meses e a professora precisou recorrer ao INSS para receber o benefício do Auxílio-doença (ou Auxílio por Incapacidade Temporária). O processo não foi tão burocrático. Ela precisou ir presencialmente até uma agência do INSS, onde passou por perícia médica e teve sua solicitação deferida.
“Os 15 dias se tornaram 30, depois 60 e foi prorrogando, porque eu não estava melhorando. Demorei só para receber o dinheiro, mas para dar entrada não foi burocrático. Não sei como funciona com outras questões médicas, mas no meu quadro de Ansiedade, bastou apresentar o laudo do psiquiatra na perícia, responder a algumas perguntas e meu pedido foi deferido na hora”, relembra Caroline.
Fonte: Portal O Dia